Acho importante trazer esse tema, muito embora, na visão gestáltica, o diagnóstico seja apenas uma parte do todo, e não o todo. Escolho junto com vocês, no entanto dá uma olhada nessa parte e quem sabe elucidar e construir um entendimento com vocês que nos ajude a compreender o jeito de viver borderline, e com isso organizar um todo de uma nova forma, em uma nova gestalt, quem sabe.
O existir borderline, é um existir sofrido e instável. O mundo é mal, é preciso ser mal na visão border . As pessoas são cruéis, é preciso ser cruel. O indivíduo portador dessa patologia segue a vida, muitas vezes inconsciente de que essas não são construções saudáveis de pessoa, mundo, de vida.Ver o mundo por essa lente, é ver um mundo aterrador, sem saída, sem escolhas, sem altruísmo. Um mundo que precisa de muros e defesas para "prevenir" aquilo que eles mais temem acontecer, o abandono. O paradoxo, no entanto, é que o que temem, é o que fazem acontecer. Amar e ser amado é perigoso demais nessa vivência.
Não funciona existir assim.
Borderline, segundo a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, significa fronteiriço. "Toda pessoa border vive no limite de uma hemorragia emocional; vez por outra sangra a alma e, não raro, o próprio corpo", e as vezes, também, as pessoas ao redor.
Borders são limítrofes, vivem entre a neurose e a psicose. Os que estão borders, margeiam também entre outros transtornos mentais, como transtorno de ansiedade, estresse pós traumático, transtorno de personalidade anti social, depressão, ciclotimia, bipolaridade, TDAH, apresentam sintomas de outros quadros psiquiátricos, e por isso o diagnóstico se torna ainda mais complexo.
O humor no quadro borderline é oscilante a maior parte do tempo. Tanto podem deprimir por um simples desafeto com alguém, como num mesmo dia podem se sentir "ótimos". Podem variar da alegria extrema, à tristeza profunda, é nesses picos que devem ser assistidos com maior cautela. Entram na euforia num atmo de segundo, simplesmente por um surgimento de uma nova possibilidade, uma boa notícia, tão rápido e intenso quanto deprimem se algo mudar. Ficam vulneráveis ao ambiente. Suas fronteiras de contato são frágeis.
Ana Beatriz Barbosa, diz que ser (na minha visão estar), border é um jeito de sentir, pensar e agir. O Borderline, enquanto nesse quadro, sofre de um vazio existencial profundo, sente-se confuso quanto a sua identidade, personalidade, e por isso até se machucam para se sentirem existindo.
Entendo que essa é uma forma de existir, claramente disfuncional e sofrida e que deve ser investigada, e discutida, para buscarmos uma melhor compreensão e ajuda para a sociedade. Um borderline é capaz de influenciar pelos seus atos, não apenas a si mesmo, mas a um sistema inteiro, uma sociedade inteira, se não cuidado.
Toda patologia tem seus ganhos secundários. Os ganhos para um border, mesmo que inconscientes, são reais, pois o levam a vitimizar-se, justificar-se para o não fazer, e até para o fazer o mal, o não "dar conta", o machucar-se, machucar o outro, tudo é "explicável". É um ganho diria bem descompensador a longo prazo, para sua integridade psíquica. A agressão quando não volta para si, volta-se para o outro. Perdas, frustrações, fracassos relacionais constantes, fazem parte desse caminhar border, e por isso acho tão importante a conscientização e a busca de ajuda profissional. O individuo nessa condição não acredita em si mesmo, nem se valoriza, ele mesmo se descredencia. Tem baixa auto estima. É preciso no entanto, que essa pessoa queira enfrentar esse universo, oculto dentro de si mesmo, para que possa encontrar novas formas de lidar e olhar a vida. E não é fácil reconhecer-se assim, mas necessário para o cuidado que precisa.
Uma das grandes dificuldades de estar na vida "border", é o lidar com as adversidades, frustrações, rejeições, pois isso é inevitável, pois a vida carrega essa dinâmica. Para todos nós é difícil, mas para um border, a rejeição e o abandono são extremamente sentidos, sofridos e expressados ao extremo. O fato de viver sempre no limite, na borda, e cheio, o deixa sempre a ponto de transbordar a qualquer estímulo. As relações afetivas são marcadas por intensidade, carga dramática e alta dependência afetiva. Seus parceiros são em geral agressivos, manipuladores e perversos, bem como ele se apresenta em algum grau.
Os borders vivem em crise em relação a sua identidade. Sentem-se instáveis, insatisfeitos, buscando sempre se identificarem com algum estereótipo.
Cada um de nós pode eventualmente ter um ou outro sintoma desse transtorno, contudo, ter reações similares, não nos torna border. O estar border abarca um conjunto de sintomas, por um tempo maior e duradouro. "Parecer border, não é ser border".
Eis aí, os critérios diagnósticos para identificar um borderline na clínica, segundo Ana Beatriz, e pelo DSM-IV. Deve ser observado este quadro comportamental, por um período de pelo menos um ano (em contextos sociais diferentes):
1- Impulsividade em pelo menos duas dessas áreas (gastos excessivos, promiscuidade, direção perigosa, abuso de drogas, compulsão alimentar etc.)
2- Ira inapropriada e intensa e dificuldade de controlá-la;
3-Instabilidade afetiva devido a uma grande reatividade do estado de humor;
4-Ideias paranoides transitórias relacionada a estresse ou sintomas dissociativos graves;
5-Alteração de identidade; instabilidade acentuada e resistente da autoimagem ou do sentimento do self;
6-Um padrão de relações interpessoais instáveis e intensas;
7-Esforços frenéticos para evitar um abondono real ou imaginário;
8-Ameaças, gestos ou comportamentos suicidas recorrentes ou comportamentos de automutilação:90% dos borderlines irão cometer uma tentativa de suicídio e, desses 10% serão bem sucedidos;
10- Sentimentos crônicos de vazio
E ainda, segundo Ana Beatriz Barbosa, existem os borders atípicos, ou seja, aqueles que apresentam algumas características do funcionamento border, mas são insuficientes para preencher todos os critérios necessários para o diagnóstico preciso.
O tratamento deve sem dúvida passar por um diagnóstico psiquiátrico e acompanhamento psicológico tanto com o paciente, como com a família. A psicoterapia para esses pacientes é imprescindível e funciona para proporcionar uma melhor qualidade de vida e autoconhecimento de seus limites e potencialidades. O borderline precisa ser amparado, compreendido e validado. Jamais, na minha concepção, rotulado e encerrado num diagnóstico. O Diagnóstico serve apenas para nortear um caminho de cuidado, não para reduzir um cliente a sintomas, a uma patologia. Ninguém é uma patologia. O indivíduo é um todo cheio de recursos e possibilidades de existência, é para isso que nós, como Psicólogos, devemos apontar: para a saúde
O terapeuta precisa estar preparado para ser testado, desafiado, rejeitado, desqualificado nesses atendimentos, pois esse tipo de paciente os testará e boicotará seu próprio tratamento, pois já espera ser abandonado e de alguma forma é isso que faz e provoca. Mas, para ajudá-los, precisamos prever e manter o vínculo sem entrar no sintoma dele,
Achei importante sinalizar sobre essa patologia, pois muitas pessoas e famílias sofrem pela desinformação, ignorância, e preconceito. Saber sobre, faz ampliar a consciência individual e sistêmica, e pode ser fonte de ajuda para enfrentar tão dura existência.
Como Carl Rogers, acredito que somos um "vir a ser". Em algum momento pode-se estar vivendo border, ou, outro diagnóstico qualquer, mas o importante é que se cuidado e assistido, a vida do individuo pode ser mais feliz, aliviada e até transformada, em uma vivência mais saudável e significativa para si e para o mundo.
Cuide-se, busque ajuda o quanto antes.
Por Ara Brandes
Bibliografia consultada - SILVA, Ana Beatriz- Corações descontrolados:ciúmes, raiva, impulsividade - o jeito borderline de ser/ Rio de Janeiro: Objetiva, 2012